Vida e Obra do Meu Querido Tio Domingos Vieira


Falar do meu querido tio Domingos Vieira tem muito que se lhe diga. Era o irmão mais novo do meu saudoso pai Jorge Vieira numa lista de sete irmãos, nomeadamente três homens e quatro mulheres. O meu pai era o primogénito dos meus avós paternos. A nossa família, desde o começo, sempre foi bastante unida e mantém-se intactamente assim até à data presente, não obstante pontuais tensões e querelas que normalmente vão surgindo, como é comumente natural no seio de qualquer família, sobretudo em famílias numerosas como a minha. Esta unidade familiar e coesão deve-se, acima de tudo, à determinação e sentido de responsabilidade do meu pai e, posteriormente, do meu tio Domingos Vieira e os seus irmãos. Tanto que, por esta razão, depois do prematuro falecimento do meu pai Jorge Vieira foi o tio Domingos Vieira quem assumiu, por completo, as rédeas e liderança de toda a nossa família, coadjuvado pela minha tia Fina Indi (LER) e o meu tio Duarte Vieira (Duvi). 

O meu querido tio Domingos Vieira, também que era carinhosamente cognominado por “Baúnhá” nos círculos da nossa etnia papel, que eu particularmente chamava de “pape de Didi” – por ser o pai do meu primo com o mesmo nome – destacava-se pela sua verticalidade, honorabilidade, desprendimento, humildade, cultura e amor incondicional pela família. Assim sendo, depois da morte do meu pai Jorge Vieira, carregou a nossa família sem qualquer tipo de hesitação ou lamúrias, e com todas as implicações que isto teve na sua vida. Foi um homem de família e viveu em torno da família até ao fim dos seus dias. 

O tio Domingos Vieira, desde muito cedo, destacou-se perante tudo e todos. Destacou-se na vida familiar, relacional, social e profissional. Foi um alto funcionário do Ministério dos Recursos Naturais da Guiné-Bissau, desempenhando ininterruptamente o cargo de director financeiro daquela instituição estatal por muitos anos, trabalhando com mais diversificados ministros e secretários de estados até se reformar, apesar de ser um homem apartidário e equidistante do ponto de vista político. Digo isto porque na Guiné-Bissau, infelizmente, tudo é instrumentalizado pela política. É praticamente impossível estar num cargo de topo por muito tempo, sem ter filiação partidária ou sujeitar-se a determinadas artimanhas de subjugação e rasterice à moda guineense. O meu tio era antítese de todo este servilismo decadente e falta de carácter. Mesmo assim, recebia a confiança dos seus superiores hierárquicos, tendo em conta a sua postura pacifista, diligente, competente, agregadora e incorruptível. 

O meu tio Domingos Vieira lidava com bastante dinheiro, mas nunca foi suspeito ou acusado de desviar algum fundo do Ministério dos Recursos Naturais da Guiné-Bissau. Sempre teve carros por causa da função que exercia e nunca os usou para fins que não fosse profissionais. Não era esbanjador. Não fazia paródia. Nunca andou na imoralidade ou envolveu-se com mulheres, tal como é costume por homens que têm algum estatuto social no nosso país.  Fazia os pagamentos no ministério e devolvia o dinheiro que sobrava. Víamos reiteradamente este nobre exemplo com ele. Esta atitude não é de somenos para quem conhece muito bem a imoral e corrupta realidade da Guiné-Bissau que é bastante permeável a desvios de dinheiro público para fins pessoais, branqueamento de capitais e de enriquecimento ilícito, sem quaisquer responsabilidades jurídico-penais para os infractores. Procurou viver na descrição e simplicidade. Era um homem inatacável e com grandes virtudes. Viveu pelo trabalho e com aquilo que ganhava de forma honesta. Viveu uma vida de abnegado servidor público e do próximo em geral, especialmente da família que ele tanto amava. 

Domingos Vieira, o meu tio, era mais do que um tio. Era como um pai para nós e para todos os meus primos do lado paterno. Encarregou-se da minha educação e formação, juntamente com os meus irmãos, depois da morte prematura do nosso pai Jorge Vieira, bem como dos meus primos e da parentela que estão na nossa casa que ele era chefe (família alargada, bem entendido). Foi um homem altamente educado e apostou seriamente na educação ao longo de toda a sua vida. Foi o caminho que ele nos demonstrou e nos ensinou pelo seu próprio exemplo de vida. Não poupava em nada que tenha a ver com a educação e formação. Fazia avultados investimentos na nossa educação. A começar, desde logo, pelos próprios filhos, sobrinhos e demais elementos familiares que estavam sob a sua inteira dependência. Sustentava muita gente e formou muitas pessoas – por causa do seu sentido apurado a nível da educação e entrega incondicional à família. 

A marca indelével que a minha família é manifestamente conhecida no nosso bairro Bandim II, em Bissau, é o primado da escola, formação, intelectualidade e qualificação. Tal proeza deve-se primeiramente ao meu pai Jorge Vieira, que foi precursor destes nobres valores humo-sociais e este legado foi continuado, com maior alcance, pelo nosso tio Domingos Vieira. Graças à visão inovadora destes dois grandes homens, a nossa família está repleta de homens e mulheres altamente formados e qualificados em várias áreas profissionais. 

O nosso tio Domingos Vieira, apesar de apostar na educação e intelectualidade, cedo se apercebeu dos riscos e perigos do falso saber e da descaracterização da política na Guiné-Bissau. E, justamente, por isso, nunca estimulou nenhum de nós a entrar na política partidária ou fazer política activa, apesar de, modéstia à parte, sermos objectivamente homens e mulheres altamente preparados naquilo que é o padrão comum da Guiné-Bissau. Quem, no entanto, posteriormente, entrou na política foi por sua livre iniciativa e opção pessoal. Ele reiteradamente advertia-nos “pa tira boca na política” e não se iludir com a leveza do luxo e o materialismo decadente do nosso país. Dizia-nos também que a nossa família é pobre e nós também éramos “fidjos di coitadi”, razão pela qual devíamos procurar viver como filhos realmente de pessoas humildes, renunciando ao vício da ostentação, corrupção, materialismo, prepotência, elitismo, futilidade e vaidades da vida. Felizmente, estes elevados princípios e valores estão bastantes impregnados e presentes na nossa família, sobretudo na forma como nós encaramos e respondemos aos desafios da vida. 

Com o tio Domingos Vieira aprendemos inúmeras coisas. Inúmeras coisas que fazem de nós portadores de elevadíssimos princípios e valores. Ele tinha a premissa que os estudos, o trabalho digno, o carácter são inevitáveis caminhos para sermos homens e mulheres bem-sucedidos na sociedade. Por isso, não poupava os esforços e investimentos na educação e formação de carácter para nos habilitar com estas imprescindíveis ferramentas humano-sociais. Além destes manifestos valores que ele evidenciava, também o tio Domingos Vieira era um homem de paz e não votado aos confrontos e conflitos. Sempre procurou, na medida do possível, evitar dos problemas. Era um homem que não estava metido em problemas, visto que a vida dele era apenas trabalho e casa. E em casa mitigava qualquer tipo de possíveis ímpetos que possam degenerar-se para a confrontação e conflitos entre os familiares e terceiros. Era pacifista, agregador e de família.  Tentou incutir estes postulados entre os filhos e para toda a nossa família. E assim foi. 

Tenho muitas dívidas com o tio Domingos Vieira. Foi o mentor da minha educação. Acompanhou, desde a primeira hora, todo o meu processo de formação. Estou-lhe eternamente grato por todo o investimento que fez na minha vida. Agradeço ao meu Todo-Poderoso DEUS por permitir ao tio Domingos Vieira ser instrumento de bênçãos na minha vida. Era bastante ligado à família e a nossa família era-lhe também muito ligado. 

A última vez que estive com o meu tio Domingos Vieira foi aquando da sua vinda para a Europa passar férias, junto dos filhos e netos, em 2018, durante aproximadamente dois meses. Primeiro em Lisboa na casa do seu primogénito filho Gervásio Domingos Vieira (Djoi) e, de seguida, em Hamburgo, Alemanha, na casa da filha Narcisa Domingos Vieira (Nacy) (LER)  e, inversamente, em Lisboa. Depois de um tempo de confraternização, despedimo-nos com dois calorosos abraços de familiaridade na promessa de nos encontrarmos ainda num futuro breve. Disse-me em crioulo: “fica diritu bó” e eu respondi-lhe: “fassi bom biás. Manda nha mantenhas pá titia Fina Indi, tio Duarte i pá tudu djintis lá na casa. Pá DEUS abençoa-bós tudu”. E assim, partamo-nos nostalgicamente um do outro e, ao mesmo tempo, continuando unidos pelo mesmo cordão umbilical de sempre (LER)

O tio Domingos Vieira, para grande surpresa e enorme tristeza nossa, morreu repentinamente na passada quarta-feira, dia 17, em Bissau, e foi sepultado esta tarde no cemitério de Antula, em Bissau. Tinha 75 anos de idade. Era pai de quatro filhos, nomeadamente os meus primos Gervásio Domingos Vieira (Djoi - LER), Narcisa Domingos Vieira (Nacy), Euclides Domingos Vieira (Didi - LER), Duília Domingos Vieira (Dú) e avô de catorze netos. Deixou definitivamente este mundo com o dever cumprido, tal como aconteceu com os meus avós, pai, tios e tias. No entanto, o seu legado de vida vai continuar permanentemente vivo nos nossos corações e transmitido pelos nossos filhos e gerações vindouras da família Vieira. Muito obrigado por tudo o que fez por mim e pela nossa família em geral, tio Domingos Vieira! Louvado seja eternamente o nosso Todo-Poderoso DEUS!