(Eu, o meu tio Domingos Vieira e o meu
primo Gervásio Vieira (LER). A foto foi tirada na casa do meu
primo, no dia 05 de Agosto, horas depois da chegada do meu tio a Lisboa).
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Foi bastante reconfortante para mim
reencontrar-se com o meu estimado tio Domingos Vieira, depois de tantos anos sem nos
avistarmos. Homem de família e servidor público no Ministério dos Recursos
Naturais da Guiné-Bissau há mais de 40 anos. Pai de quatro filhos, nomeadamente
do Gervásio Vieira ("Djoi"), Narcisa Vieira ("Nacy"), Euclides Vieira ("Didi") e Duilia Vieira ("Dú"). Ele é o irmão mais novo do meu
malogrado pai Jorge Vieira e da minha querida tia Fina Indi, sendo por sua vez
mais velho que o tio Duarte Vieira, o "codé", também apelidado pela família e
amigos de "Duvi". Por parte da minha saudosa mãe, Anjeipo Có, já não temos
nenhum tio ou tia directa sobrevivente. Também já não temos connosco nenhum dos
avós vivos. Todos eles morreram, infelizmente. Somos, desde muito cedo, órfãos.
Órfãos de pais. Órfãos de avós materno. Órfãos de avós paterno. Órfãos por
parte do lado dos irmãos da nossa mãe. Estamos praticamente sozinhos e
desamparados neste tenebroso Mundo. A orfandade sempre fez parte do nosso
percurso de vida desde tenra idade. Havia, por isso, se não fosse a soberana Graça de DEUS, todas
as condições objectivas e propícias para sermos homens e mulheres marginais,
uma vez que perdemos prematuramente o núcleo fundamental e suporte
insubstituível e irreparável da nossa família. Os nossos progenitores partiram precocemente,
deixando-nos à mercê da sorte. Mesmo assim, não perdemos a sensatez, a coesão, o
juízo, a determinação e o amor pela madrasta vida. Não perdemos definitivamente
tudo. Temos connosco o Todo-Poderoso DEUS que defende a nossa causa,
orientando-nos e suprindo todas as nossas necessidades (Deuteronómio 10:18; Salmo 146:9),
bem como o resquício da família que ainda nos resta.
O tio Domingos Vieira é actualmente o
patriarca ou numa expressão tipicamente guineense "chefe" da nossa família "Vieira" e a titia Fina Indi a matriarca, dando assim prosseguimento ao legado
do meu pai Jorge Vieira. Ambos têm cumprido irrepreensivelmente esta árdua
tarefa. Educaram-nos empenhadamente com os nobres Princípios e Valores
humano-sociais, não obstante as suas pontuais limitações como seres humanos,
conferindo-nos as ferramentas indispensáveis para sermos homens e mulheres
bem-sucedidos na sociedade. Se alguém, porventura, não se conseguir afirmar na
vida a culpa não é seguramente deles. Transmitiram-nos exemplarmente os valores
da disciplina, do estudo, do trabalho, da responsabilidade, da simplicidade, da honestidade, da solidariedade e rectidão. Educaram-nos como pessoas pobres,
incutindo-nos igualmente a ideia de jamais renegarmos pela vaidade a nossa
humilde origem, isto é, "di fidjus di djintis coitadi",
independentemente da condição de vida e estatuto social que possamos vir a
conquistar no futuro. Tenho procurado não transcender este raio de horizonte,
porque foi das melhores heranças que nos conferiram. Temos naturalmente a
obrigação de as transmitir também aos nossos filhos, netos e todos aqueles que
nos circundam quotidianamente.
Por isso, vejo-me como pobre e de família
pobre, não obstante ser concomitantemente rico a nível da educação, da cultura, da
axiologia, da espiritualidade, da mundividência e do humanismo social. Não sou,
por esta razão, ganancioso e ávido pelo materialismo. Não fui ensinado a
bajular os terceiros ("bari pádja" à moda guineense) a troco de qualquer benefício pessoal. Sou um homem completamente desprendido pelos bens mundanais. Contento-me apenas com aquilo que disponho honestamente. E não me fascínio e
nem me deixo ludibriar com superficialidades que não se revestem da
consistência e, muito menos, admirar pessoas sem escrúpulos só pelo facto de
terem posses ou poder. Nada disso faz parte do meu cardápio educacional. Prezo,
acima de tudo, a minha dignidade, autonomia e liberdade. Sou convictamente
Cristão Evangélico-Protestante, tendo a Palavra de DEUS como a minha única
regra de fé e prática. São valores, para mim, irrenunciáveis e inegociáveis. Sou
feliz assim como sou (LER). Este paradigma educacional influenciou determinadamente
quase toda a nossa família, levando-a adoptar uma postura de recato a todos os
níveis da vida. Apesar de termos na família mulheres e homens altamente
qualificados, nos mais diversos domínios científico-profissionais e bem inseridos na
sociedade, mesmo assim, não se têm conspurcado com a corrupção endémica e o
triunfo das futilidades que se vive de forma consentida na Guiné-Bissau (LER). Tudo isto deve-se à proeza educacional dos meus progenitores, coadjuvados pela
titia Fina Indi, tio Domingos Vieira e Duarte Vieira.
A titia Fina Indi é mãe do meu primo mais
velho – o Médico Ricardino Té ("Oditu") – e avó de três netos, particularmente do Celdegir ("Saqui"),
Finandi e Ricelino. Vendedora ambulante de peixe, sobretudo "pá djintis di
praça". Disse-me, aquando da nossa recente e demorada conversa telefónica, há duas
semanas, que já está a ficar cada vez mais velha (ela tem neste momento 76 anos
de idade e está praticamente reformada dos labores do dia-a-dia) depois de lhe
ter perguntado se continuava a cozinhar. Respondeu-me sobriamente que não,
tendo em conta a limitação que tem tido a nível de saúde. Esta pergunta
prendia-se com o facto de, apesar da minha demorada ausência do país, nunca ter
esquecido os deliciosos pratos que ela confeccionava. Aliás, a comida dela era
da mais disputada ali na nossa casa. Todos praticamente brigavam para comê-la.
Antes de terminarmos a conversa, aconselhou-me a arranjar, com carácter de
urgência, uma mulher para casar, formando assim a desejada família, "pabia
idade na bai djá Térsio", encerrava advertidamente. Registei a pertinente
chamada de atenção, garantindo-lhe que envidarei esforços nesse sentido.
O tio Duarte Vieira, membro mais novo dos
irmãos do meu pai, é pai do Crucires ("Nhontcha"), Astrides ("Antchontchi"),
Heine e dos gémeos Tales e Euler. É o Professor Matemático da família. Há
décadas que lecciona cadeiras de matemática – tanto no liceu como na
Universidade. Defendia publicamente que para se ser um bom aluno tem que se ser
bom a Matemática. Para ele tudo girava em torno dos números, fórmulas e
teoremas. É o que, nos irmãos, tem uma postura mais progressista e liberal da
vida – no bom sentido do termo. Fala muito bem e gosta de falar – sempre coisas
certeiras na generalidade de situações. Nunca foi distante. Inteirou-se sempre
dos nossos reais problemas, tal como os irmãos, procurando ajudar na medida do
possível. Tivemos com ele sempre excelentes relações. É um grande orgulho para
toda a nossa família. Tanto ele como a titia Fina Indi e tio Domingos Vieira são actualmente
pilares da nossa família. Não temos mais nenhum parentesco próximo do que eles
neste mundo. Sem eles não somos nada. Devemos-lhes tudo. Somos hoje, em última
instância, o produto do grande investimento que fizeram em nós. E estamos
gratos a DEUS por isso, bem como a eles em particular, por tudo o que têm feito
nas nossas vidas. Pedimos sempre ao Todo-poderoso DEUS que lhes conservem a
vida e saúde, livrando-lhes de todo o perigo e mal. Temos, no entanto, plena
consciência que não vamos tê-los perpetuamente connosco, mas teremos sempre a
boa educação que amorosamente nos legaram.
Despedi-me anteontem a noite do meu querido
tio Domingos Vieira, que partiu rumo a Bissau, depois de ter estado
aproximadamente dois meses de férias aqui na Europa. Primeiro em Lisboa e, de
seguida, em Hamburgo, Alemanha, e, inversamente, Lisboa. Despedimo-nos com dois calorosos abraços de familiaridade,
na promessa de nos encontrarmos ainda num futuro breve. Disse-me em crioulo: "fica diritu bó" e eu respondi-lhe: "fassi bom biás. Manda nha mantenhas pá
titia Fina Indi, Duarte i pá tudu djintis lá na casa. Pá DEUS abençoa-bós tudu". E
assim, partamo-nos nostalgicamente um do outro e, ao mesmo tempo, continuando eternamente
unidos pelo mesmo cordão umbilical de sempre.