A Guerra Que Não Trouxe a Independência Nacional


Celebra-se hoje o dia da independência nacional da Guiné-Bissau. A autodeterminação do país, em 24 de Setembro de 1973, até à data presente, para grande infelicidade e tristeza nossa, foi um autêntico fracasso a todos os níveis. A Guiné-Bissau nunca chegou, em termos objectivo-práticos, de tomar a sua real independência. A independência só foi reduzida no papel, limitando-se apenas a uma mera formalidade Jus Internacional. O país continua dependente de tudo e mais alguma coisa. Dependente da ajuda externa e da boa vontade dos países aliados para continuar a sobreviver. 

Logo depois da tão propalada “independência nacional”, que não trouxe qualquer tipo de Independência, o país foi capturado pelos dirigentes medíocres, intriguistas, incompetentes, desqualificados, bandidos, sanguinários, corruptos, ladrões, traficantes de droga e de toda a sorte de criminosos que o submeteram a um esmagamento metódico, sem dó nem piedade, ao longo de várias décadas. Esta subversiva postura, dos nossos sucessivos dirigentes e governantes em geral, contraria flagrantemente com a premissa inicial do “programa maior”, delineado por Eng. Amílcar Lopes Cabral, na génesis da luta armada, para fazer definitivamente a Guiné-Bissau avançar. 

Em 23 de Janeiro de 1963 deu-se oficialmente o início da luta de libertação nacional, com a ofensiva militar contra as colunas portuguesas no sul do país, sob o comando do quartel do Titi. A partir desta data tudo mudou, para pior. A Guiné-Bissau mergulhou numa profunda crise de identidade, sem precedentes, ao longo da sua moderna história. Desde logo, a vindicta do Congresso de Cassacá, em Fevereiro de 1964, convocado para “atenuar” a cisão interna no seio do PAIGC, culminando naquilo que ficou conhecido como o “massacre dos insubordinados”, onde inúmeros camaradas foram barbaramente fuzilados por ordens expressas do partido. 

Passados os dez anos da chacina armada da “guerra do povo, pelo povo e para o povo”, o país proclamou unilateralmente a sua independência, em 24 de Setembro de 1973, cumprindo assim o desígnio inicial do “programa mínimo” traçado na génese da sublevação armada. Existiam, nos anos subsequentes, todas as condições propícias e exequíveis para criar uma “nova sociedade” e um “novo homem africano”, capaz de trilhar, com bastante sucesso, “o programa maior” visceralmente ligado ao desenvolvimento sustentável e sustentado da Guiné-Bissau. Não foi, no entanto, o que aconteceu para desgraça nossa. O primeiro Presidente da República, Luís Cabral, conduziu o país para um modelo absolutista de estado que se traduzia em tremendas perseguições, ajustes de contas e execuções sumárias de opositores do regime considerados “traidores da pátria”

Foi neste horrível cenário politico-governativo, em 1980, que surgiu o afamado “Movimento Reajustador” de 14 de Novembro liderado pelo General João Bernardo Vieira, que usurpou o poder por via de um golpe de estado, afastando assim o seu amicíssimo e correligionário de partido, Luís Cabral, da presidência da república. Acontece que, por vicissitudes várias e supervenientes, esta mudança de poder não foi bem acolhida pelos dirigentes cabo-verdianos que, como represália ao novo regime Bissau-guineense, desvincularam-se completamente do PAIGC e fundaram o partido PAICV, em 1981, rompendo assim definitivamente com o vínculo umbilical que ligava os dois povos irmãos, idealizado pelo Eng. Amílcar Lopes Cabral. 

Com o governo de Nino Vieira, a Guiné-Bissau conheceu uma das facetas mais tristes e bárbaras da sua autodeterminação. Tudo aquilo de que acusava Luís Cabral acabaria por fazer ainda pior. Nos seus 23 anos no poder, de 1980 a 1999 e depois em 2005-2009, respectivamente, não se melhorou praticamente nada, excepto uma aparente abertura do país para a democracia pluralista, em 1994, que, em termos objectivos, tinha mais a ver com o autoritarismo do que propriamente com o estado de direito democrático. Tal como diria depois Luís Cabral, e bem observado, “o Movimento Reajustador não Reajustou nada”. Em consequência disso, o país passou por enormes sobressaltos político-sociais e sucessivos golpes de Estado e contra-golpes até Dezembro do ano passado, culminando sempre em assassinatos de personalidades e altas figuras da república, somando à fratricida guerra civil de 7 de Junho de 1998, com repercussões negativas que ainda hoje se fazem drasticamente sentir na vida de inúmeros guineenses. 

Todos os Presidentes da República que a Guiné-Bissau teve desde a sua autodeterminação até aos dias de hoje, coadjuvados com os seus primeiros-ministros, poder judicial, chefias militares e governantes em geral, só trouxeram prejuízos avassaladores à Guiné-Bissau. Não conseguiram deixar um legado positivo em prol do progresso nacional que tanto apregoa(ra)m defender. Foram todos incongruentes nas suas obscuras e egoístas agendas políticas – o que demonstra manifestamente a crise de liderança que tem caracterizado o país ao longo dos anos até à data presente. 

A raiz de todos os males que assolam impotentemente o nosso povo é, sem dúvida, a preterição deliberada do “programa maior” na dinamização e consolidação do progresso do país, razão pela qual os custos e os benefícios que advêm da luta de libertação nacional foram completamente desproporcionais, com a supremacia abismal daqueles em detrimento destes. Não houve, infelizmente, progressos assinaláveis do ponto de vista humano-social. 

A Guiné-Bissau, desde o período do pós-independência, foi capturada pelos urubus que não compreendem nada da governação e pelos pacóvios militares que apenas a humilharam, através do esmagamento metódico a que foi reiteradamente submetida ao longo dos tempos. A começar, desde logo, com os intelectuais sabujos e desonestos, políticos trapaceiros e corruptos, magistrados incompetentes e fraldiqueiros, partidos políticos ignorantes e inabilitados, sociedade civil moribunda e inoperante, que obstam ao desenvolvimento do país. Se isso é a “nação” ou a “independência nacional”, tal como muitos dos nossos patrícios orgulhosamente enaltecem, não contem comigo. Estou fora deste delírio nacionalista. Estou mesmo fora. Roubem-me o esforço e a tranquilidade; a consciência e a razoabilidade é que não!