Este foi também o tema do título do artigo de opinião que escrevemos há um ano para o jornal português Observador, a propósito da bárbara invasão da Ucrânia pela Rússia. Sentimo-nos novamente compelidos no bom sentido do termo para escrevermos sobre este mesmo pertinente tema, tendo conta a difícil, conturbada, polvorosa, explosiva e perigosa situação a que estamos a viver neste momento no mundo inteiro.
O mundo em que vivemos está cheio de conflitos. Não precisamos de estar plenamente sintonizados com a realidade político-internacional para disso nos apercebermos. Basta constatarmos os alarmantes sinais que nos vão chegando, de perto e de longe, através dos media, para compreendermos que, de facto, vivemos num mundo bastante hostil e belicoso. Há, cada vez mais, abominações que proliferam de forma galopante no nosso mundo dito pós-moderno, fruto da mundividência jacobina e libertária que obstam o seu avanço saudável, somando ainda os radicalismos extremos tanto de direita como de esquerda, conduzindo-o para um caos absoluto e o fim apocalíptico – por causa desta postura belicosa do Homem.
A guerra a que estamos a referir aqui é no sentido stricto sensu, isto é, do conflito armado entre os Estados ou no caso da designada guerra civil, que envolve mortes de pessoas e destruição em massa. Obviamente que este artigo não é inocente, tendo em conta a proliferação de guerras a que estamos neste momento a assistir pelo mundo inteiro, sobretudo a guerra entre o Hamas e Israel, extensível também a Palestina e o Líbano, bem como o conflito armado entre Azerbaijão e a Armênia em Nagorno-Karabakh, guerra entre a Rússia e a Ucrânia. E também a guerra civil na Síria, no Iraque, no Iêmen, na República do Congo, na Etiópia, no Camarões, no Mianmar, no Afeganistão, somando ainda as guerras do jihadismo islâmico em África, nomeadamente no Mali, na República Centro Africana, no Sudão, no Níger, na Nigéria, no Burkina Faso, na Somália e no Moçambique, etc.
A pertinente pergunta que se coloca é: será que podemos considerar uma guerra como sendo justa? Eis a grande questão que nos interpela. Vamos tentar responder esta pergunta em duas dimensões: primeiro, numa dimensão secular e depois numa dimensão teológico-Cristã.
Começando a nossa reflexão numa perpectiva secular, importa salientar que na doutrina do Direito Internacional há um unanime consenso a favor do conceito da guerra justa, fruto de influência do pensamento de Santo Agostinho, John Locke, Hugo Grócio, Francisco Suares e Francisco Vitória. Para estes conceituados autores mundial, que marcaram profundamente a nossa história da política internacional, a guerra justa serve para “vingar o mal, quando um Estado tem que ser atacado pela sua negligência em reparar males cometidos pelos seus cidadãos, ou em restaurar aquilo que por maldade lhe foi retirado”. As guerras justas, sustentam ainda estes ilustres pensadores, podem incluir guerras por motivos de segurança, guerras para vingar o mal, ou guerras declaradas a países que recusam a passagem a outros”.
Por influência destes conhecidos autores, a Carta das Nações Unidas de 1945 adoptou na íntegra este postulado doutrinário, habilitando o Conselho de Segurança a recorrer ao uso da força, isto é, a implementar a acção armada contra qualquer país em caso de ameaça à paz, ruptura da paz e acto de agressão. Quanto aos Estados membros da Organização das Nações Unidas (ONU), a Carta consente o uso da força pelos Estados membros em apenas duas circunstâncias: 1): em caso da legítima defesa, individual ou colectiva (nos termos do artigo quinquagésimo primeiro); 2) em caso de assistência às próprias Nações Unidas (art.2.5), como a participação em acções por elas levadas a cabo ao abrigo do capítulo sétimo ou noutras, a título excepcional (as operações de paz e de ingerência humanitária, por elas determinadas ou admitidas).
Do ponto de vista secular, sem grandes surpresas, há uma total convergência e apoio mundial dos países na defesa do conceito da Guerra Justa, contando que a referida guerra preencha os requisitos legais exigidos e estabelecidos na Carta das Nações Unidas e respeitar, igualmente, O Direito Internacional Humanitário, conhecido como “o direito da guerra” ou “o direito dos conflitos armados”, regimentado na Convenção de Genebra. No artigo três, desta mesma convenção, por todos os artigos, diz expressamente: “as pessoas que não tomem parte directamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo” (art.º 3:1).
Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar, relativamente às pessoas acima mencionadas: (alínea a) As ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios; b) A tomada de reféns; c) As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes; d) As condenações proferidas e as execuções efectuadas sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados.
O número dois ainda do artigo três termina desta forma: “os feridos e doentes serão recolhidos e tratados. Um organismo humanitário imparcial, como a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, poderá oferecer os seus serviços às partes no conflito. As Partes no conflito esforçar-se-ão também por pôr em vigor, por meio de acordos especiais, todas ou parte das restantes disposições da presente Convenção. A aplicação das disposições precedentes não afectará o estatuto jurídico das Partes no conflito”.
Por outras palavras, a Convenção de Genebra estabelece as regras no período de guerra, especialmente as de proteger os civis, os seus direitos e bens na decorrência do conflito armado no âmbito de Direito Internacional Humanitário. Neste ponto não há qualquer tipo de dúvidas. Estamos entendidos nesta abordagem secular.