O Direito à Abstenção


Faço parte da pequena parcela de pessoas desencantadas com os políticos e que, em consequência disso, optam deliberadamente por não usar o direito fundamental do sufrágio directo. Não confio minimamente nos partidos e nos políticos em especial. Não confio nos programas que, no período da campanha eleitoral, são proclamados com pompa e circunstância até à exaustão pelos políticos, com o único intuito de caçar os votos dos eleitores. Não confio literalmente em nada de tudo isso: na concepção ideológica que se apregoa nos dias de hoje, na proliferação partidária que contamina o debate político e nos politiqueiros que grassam no nosso espaço público. 

Sou completamente céptico com a forma como a política é feita e vivida nos nossos polarizantes dias contemporâneos. Sou ainda céptico com a ardilosa e redutora dicotomia que são sustentadas de esquerda e de direita para, desta forma, criar um balizamento entre o reacionarismo e o liberalismo, não obstante este entendimento minimalista tem vindo, cada vez mais, a ser refutado pelos reputados politólogos e cientistas políticos (vide, por todos eles, nomeadamente, o saudoso Norberto Bobbio na sua afamada obra esquerda e direita). Sou manifestamente céptico com a “astucia da razão” dos políticos e dos tautológicos discursos alienantes destes, que visam unicamente chegar ao poleiro governativo o mais rápido possível. 

Gosto da política, mas não gosto da maioria dos políticos. Gosto de acompanhar a política, mas não gosto de participar nela. Tenho a noção real da implicação da política na vida das pessoas e na Res publica, sobretudo no que toca ao avanço dela nas sociedades e nos países em geral. Tenho, da mesma sorte, a consciência apurada do servilismo, da mentira, da corrupção e da podridão que a política encerra. Não estou alheio a todas estas realidades e situações. Tanto que, por esta razão, optei há muito tempo por ser um autêntico abstencionista. 

Sou declaradamente abstencionista, porque não me consigo identificar completamente com uma única ideologia política ou partido político em particular, pelas razões supra invocadas. Tenho, de forma subsumida, uma concepção ideológica interligada que não dá para filiar apenas numa ideologia política ou partido político. Considero-me um assumido personalista, tendo uma mundividência híbrida (nem tanto de esquerda, nem tanto de direita ou centro), comungando parcialmente do keynesianismo, do liberalismo económico e, concomitantemente, do intervencionismo (um paradoxo, não é?). Sou ainda reaccionário quanto à moral e aos bons costumes. Diria mesmo que, em última instância, norteio-me pela Doutrina Social da Igreja e pelos ideais do progressismo da matriz Cristã. 

Por isso, não me enquadro em nenhuma ideologia política em concreto ou partido político, com a agravante ainda de não confiar literalmente nos políticos. Não confio mesmo nos partidos e nos políticos, insisto. 

Assim sendo, sem qualquer tipo de hesitação prévia, renuncio ao direito de votar. Não vou votar apenas por votar. Não vou votar naquilo em que não acredito e/ou que não me inspira a confiança. Não vou, acima de tudo, votar nos programas eleitorais que entram em flagrante contradição com os princípios e valores que comungo. Renuncio ainda ao direito de votar, por uma questão de objecção de consciência. Renuncio convictamente ao direito de votar para reconciliar-me e estar em paz comigo mesmo. E, por fim, de forma esclarecida, consciente e determinada, renuncio ao direito de votar. É o direito que me assiste: o direito à abstenção!