A despenalização da eutanásia é uma das piores
aberrações comportamentais contemporâneas. Uma autêntica abominação em todas as
suas dimensões humano-antropológicas. É um acto monstruoso e inqualificável.
A eutanásia é a provocação deliberada da morte antes
do seu tempo natural. É matar literalmente, sob o pretexto de “boa morte” ou
“morte suave”. Considerá-la, por isso, tal como sustentam equivocadamente
algumas almas presunçosas da nossa praça pública, “como a única
possibilidade de um ato de humanidade e de amor” é uma torpeza e
imoralidade sem precedentes (LER). Também configura um insulto à razão conotar a eutanásia como um ato de
compaixão e de respeito pela liberdade dos outros (LER). A
prática da eutanásia não tem nada a ver com as virtudes do humanismo, da compaixão pelos doentes terminais, do respeito ao próximo e da autonomia privada. Antes, pelo
contrário, ela é completamente o oposto de tais virtudes humanas. Logo, não
obstante tantos eufemismos que são usados para legitimá-la perante a sociedade,
ela é claramente incompatível com o personalismo ético e quaisquer valores
axiológicos da Dignidade da Pessoa Humana e do Direito à Vida.
A problemática sobre a eutanásia remete-nos
indubitavelmente para as várias considerações religiosas, filosóficas,
políticas e jurídicas que, neste subsumido artigo, por enquanto, não teremos a
oportunidade de esboçar. No entanto, o ponto de viragem na defesa intransigente
da prática da eutanásia ganhou mais eco e relevo com o advento da revolução
francesa do séc. XVIII. A partir deste período histórico, o conceito da
liberdade e da autonomia privada adquiriram uma dimensão de absoluta primazia e
consequentemente todas as outras revoluções posteriores se fundaram nelas – com
a agravante de que a tão propalada “liberdade”, formulada
inicialmente pelos jacobinos, que teve a sua génesis na revolução francesa, não
passa mais de um mero capricho de libertinagem. Foi máxime com o pretexto
desta libertinagem que germinou a revolução sexual dos anos sessenta do século
passado (promiscuidade sexual, bem entendido) que teve como apologia viver a
sexualidade de forma desapegada, descomprometida e despida de todo o pudor ou
tradicionalismo que, até então, estava profundamente enraizado nas sociedades.
Em consequência disso, nesta patente visão de devassidão, começou-se a
legitimar socialmente o uso desenfreado de métodos contraceptivos, o consumo de
droga e pornografia, a defesa da homossexualidade e todas as aberrações sexuais
que tão bem conhecemos, a despenalização e legalização do aborto, o culto
desenfreado da imagem, uma aversão ao casamento e à procriação (LER). Por isso, todos estes argumentos
esgrimidos na defesa intransigente da eutanásia só podem ser holisticamente
entendidos na falsa ideia da liberdade individual e autonomia privada.
O direito à vida no ordenamento jurídico das
sociedades Ocidentais, especialmente na da portuguesa, colide flagrantemente
com a liberdade e autonomia privada. Constata-se, desde logo, a consagração
expressa na Constituição Portuguesa do princípio basilar de que a vida humana é
inviolável, tal como a sua integridade física e moral (art.º 24.º, n.
º1 e 25.º n. º1 da CRP. O direito à vida é o mais importante dos direitos
fundamentais constitucionalmente consagrados. Daí que o legislador constituinte
tenha, desde logo, deixado bem claro, que o direito à vida não comporta
qualquer excepção. A protecção do direito à vida tem um alcance tal que proíbe
até a extradição de cidadãos estrangeiros quanto estes corram o risco de serem
condenados à pena de morte (art.º 33.º, n.º 4 da CRP). É que a
Constituição da República Portuguesa, protegendo a dignidade da pessoa humana, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, deve poder
fazer valer os seus princípios – quer para os portugueses quer para os
estrangeiros. O direito à vida é, antes mais, o direito de não ser morto e de
receber protecção e auxílio contra a ameaça ou o perigo de morte. Mas é muito
mais do que uma liberdade ou uma concessão da sociedade estadual. O direito à
vida não é um direito de pessoa sobre ela mesma: se assim fosse, se cada
individuo detivesse um direito sobre si próprio, consequentemente legitimaria o
suicídio. Ora quer-nos parecer que o direito à vida não inclui o direito de
organização da morte por suicídio.
Para além das concepções filosóficas e religiosas, se
o direito a vida não é um direito subjectivo, então também se deve entender que
não há um “direito à morte”, mas apenas o direito de recusar o
prolongamento artificial da vida. Assim, juridicamente, face à Constituição da
república Portuguesa, não existe um direito à Eutanásia activa, através do qual
alguém possa exigir de outrem que lhe provoque a morte para acabar com os seus
sofrimentos. O respeito da vida dos outros,
mesmo no caso de padecerem de doença incurável, não legitima o “homicida
por piedade”. Apesar de a relação do direito ser o domínio da vontade
livre, no que diz respeito à vida, não há nem pode haver um domínio da vontade
livre. O direito à vida – ao contrário, por exemplo, do direito de propriedade
– exige que o próprio titular do direito o respeite, porque mesmo ele próprio
não dispõe de uma vontade juridicamente soberana. Daí que na Eutanásia passiva
o paciente não tenha o direito de se opor ao prolongamento artificial da
própria vida (até porque os médicos e demais pessoal de saúde não se devem
abster dos cuidados em relação aos pacientes), embora possa organizar
o acompanhamento a dar à sua doença em estado terminal.
O direito à vida é um direito sobre o bem protegido
vida. É, acima de tudo, um direito a exigir um comportamento negativo dos
outros e atentar contra ele leva ao dano morte, que é um dano superior a todos
os outros que o Direito protege. Trata-se de um dano incomensurável, uma vez
que cada vida é única e irrepetível. Derivando o direito à vida directamente da
dignidade da pessoa humana, todos os indivíduos, ainda que muito doentes e
inabilitados, não deixarão, em circunstância alguma, de ser humanos nem a sua
vida deixa de merecer o máximo de respeito e protecção. O bem jurídico da vida
caracteriza-se sobretudo pela sua peculiar essencialidade, oponibilidade absoluta,
interioridade, extrapatrimonialidade, intransmissibilidade e indisponibilidade,
razão pela qual é tutelado pela ordem jurídica e defendido pelo Estado. Por
isso, em suma, a despenalização da eutanásia é manifestamente contrária aos postulados do Humanismo e do Direito à Vida (LER).