A traição é um vício pernicioso e com alcance poderosíssimo para destruir vidas. Ela mina os relacionamentos e cria profundas inimizades entre as pessoas. A traição tem o poder de repelir as amizades, afastar as pessoas umas das outras, arruinar relacionamentos, cessar o amor e, em última instância, matar. É um repositório fértil de toda a sorte de pecados existenciais e existentes no mundo, que se vai desdobrando na desconsideração do outro, na humilhação, na infidelidade, na hipocrisia, na mentira, no egoísmo, no materialismo, na cobiça, no homicídio, na maldade e na malignidade. A traição é um cancro incurável e concomitantemente mortal no seu substrato. Ela é diabólica a todos os níveis e um dos piores malefícios que o ser humano herdou do pecado original no início da criação.
A traição, por infelicidade nossa, não anda solta e nem vive sozinha. Ela é gregária e convive com pessoas. Não se pode falar da traição sem falar dos traidores e traídos. Envolve sempre pessoas e terceiros – dois ou mais. Todos nós, sem excepção, em alguma fase da nossa vida, tivemos de lidar com a traição. Pode ser na qualidade passiva de traídos ou na qualidade activa de traidores. Não há ninguém que esteja no seu perfeito juízo que desconheça liminarmente o significado da traição e as suas nefastas implicações antropológicas, sobretudo na vida de quem foi vítima dela.
Levado nesta inqualificável maldade humano-diabólica, Judas Iscariotes traiu friamente o Senhor Jesus Cristo por trinta moedas de prata (Mt 26:14-16; Mc14:10-11, Lc 22:3-6), conduzindo-o a fortiori à morte. Judas, desde o começo, sempre foi falso e aldrabão. O autor sagrado chamou-lhe peremtoriamente de traidor (Lc 6:16). O Evangelista João, na mesma esteira do pensamento, caracterizava-o como um autêntico dissimulado, materialista e ladrão, “pois era ele que tinha a bolsa do dinheiro e roubava do que lá se metia” (Jo 11:6-7), dando-nos conta posteriormente que “o Diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a ideia de atraiçoar Jesus” (Jo 13:2). E o próprio Senhor Jesus, aquando da Sua arbitrária prisão em Getsémani, confrontou-lhe nos olhos com a lapidar expressão: “Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” (Lc 22:48).
Durante três anos, sustenta Hernandes Dias Lopes no seu comentário expositivo sobre Evangelho segundo João, “Judas Iscariotes realizou a obra de Deus. Quando Jesus enviou os discípulos dois a dois, Judas Iscariotes estava no meio deles. Ele participou do grupo dos Doze e também do grupo dos Setenta. Judas Iscariotes pregou o evangelho para os outros, orou pelos enfermos e expulsou demônios em nome de Jesus. Mas agora estamos vendo esse homem possuído pelo diabo e caminhando para a destruição. Judas Iscariotes tapa os ouvidos à voz de Cristo e abre o coração aos sussurros do diabo. Ele abrigou em seu coração as sugestões do diabo; o diabo entrou nele e o levou para o inferno”. Judas Iscariotes teve excelentes e todas as oportunidades conferidas pelo Senhor Jesus Cristo para converter o seu empedernido coração e optou, mesmo assim, de forma livre e consciente, em escolher o caminho da traição e da perdição eterna.
A história funesta de Judas “nos mostra quão longe um homem pode ir em sua profissão religiosa sem ser convertido, quão profundamente uma pessoa pode se envolver com as coisas de Deus e ser apenas um hipócrita. Judas Iscariotes nos mostra a inutilidade dos maiores privilégios sem um coração sincero diante de Deus. Privilégios espirituais sem a graça de Deus não salvam ninguém. Ninguém é salvo por ser um líder religioso, por ocupar um lugar de destaque na denominação ou por exercer um ministério espetacular. Judas Iscariotes nos alerta sobre o perigo de ter apenas um conhecimento intelectual do evangelho, mas um coração ainda não convertido. Judas Iscariotes nos mostra que ser batizado ou ser membro de igreja não é garantia de que estamos certos diante de Deus”, escreve Hernandes Dias Lopes. Quem desdenha, goza, ridiculiza e trai o Senhor Jesus Cristo, tal como fez Judas Iscariotes, não toma parte na promessa da vida eterna, antes pelo contrário adquiri o passaporte para o fogo do inferno.
Sabemos, por vicissitudes várias e supervenientes, que os traidores jamais ficarão imunes aos seus censuráveis comportamentos. Há um preço bastante elevado a pagar para todos aqueles que vivem no crime da traição. Os traidores podem inicialmente julgar que serão beneficiados com a traição que perpetuam, saindo dela incólumes. Um prognóstico completamente equivocado. Com efeito, acabarão por serem eles mesmos apanhados pela armadilha da traição que andaram a praticar. Há consequências práticas e imputabilidade para os traidores. Todos os traidores, cedo ou tarde, serão coercivamente responsabilizados pela sua conduta de traição.
Um entendimento, igualmente, defendido manifestamente por Joseph Ratzinger no seu livro Jesus de Nazaré, fundamentando que “Judas vai para fora num sentido mais profundo: entra na noite, vai-se embora da luz para a escuridão. O «poder das trevas» apoderou-se dele (cf. Jo 3; 19; Lc22, 53)”. Judas Iscariotes saiu de forma apressada durante a Ceia para trair o Filho do Homem na noite do pecado: no pecado da ambição, da avareza, da locupletação, da corrupção e do homicídio premeditado. Saiu da presença gloriosa do Senhor Jesus Cristo, a Luz do mundo, para entrar na noite das trevas e nele perder-se definitivamente, autodestruindo-se.
A propósito disso, escreve inspiradamente Charles Erdman, que “o caráter de Judas oferece-nos o retrato mais deplorável da incredulidade que o evangelho registra. Suas oportunidades de conhecer a Cristo foram inexcedíveis, mas resistiu à luz, alimentou o pecado da avareza, não se comoveu diante da manifestação inigualável do amor do mestre, que fora a ponto de baixar-se e lavar-lhe os pés. Agora, à mesa, Jesus lhe dá o último sinal de amizade; trava-se ali, na alma de Judas, a última batalha, porém Satanás prevalece; e ele sai para dentro da noite de sua eterna desgraça e condenação”.
O traidor Judas não conseguiu voltar para trás no sentido de remediar o seu abominável pecado e, tão pouco, acreditar na lei do amor e do perdão Divino. Joseph Ratzinger, indo mais além no seu comentário teológico, considerou que Judas não conseguia acreditar num perdão. O seu arrependimento torna-se desespero. Já só se vê a si mesmo e às suas trevas, já não vê a luz de Jesus – aquela luz que pode iluminar e vencer as próprias trevas. Deste modo faz-nos ver a forma errada do arrependimento: um arrependimento que já não consegue esperar, mas só vê a própria obscuridade, é destrutivo, não é um verdadeiro arrependimento. Faz parte do justo arrependimento a certeza da esperança – uma certeza que nasce da fé no poder maior da Luz que Se fez carne em Jesus”. Judas Iscariotes traiu o Senhor Jesus Cristo, mas acabou inevitavelmente por sufocar na sua traição e suicidar-se (Mt 27:5).
A traição tem um elevado preço a pagar. O seu galardão é a morte. Todos aqueles que vivem deliberadamente a trair, especialmente traindo o Senhor Jesus Cristo, a Sua Amada Igreja e Obra em geral, o fim deles é a perdição eterna, se previamente não se arrependerem dos seus maus caminhos, porque os traidores e injustos não herdarão a promessa da vida eterna, diz categoricamente a Palavra do Senhor (1Co 6:10; Ap 21:8). Não há falso Cristão ou ninguém que consiga enganar o Senhor Jesus Cristo com a sua vida de hipocrisia ou mentira, saindo ileso, uma vez que Ele sabe tudo e nada se furta ao Seu raio de conhecimento. Judas Iscariotes, sumaria ainda Hernandes Dias Lopes, “é um alerta para nós sobre o perfeito conhecimento que Cristo tem de todo o seu povo. Jesus pode distinguir entre uma falsa profissão de fé e a verdadeira graça. A igreja pode ser enganada, mas Jesus não. Homens maus como Judas Iscariotes podem ocupar os postos mais altos na liderança da igreja, mas nunca enganarão Jesus. Jesus conhece aqueles a quem ele escolheu (13.18,19; 2Tm 2.19). Esse conhecimento de Jesus alerta os hipócritas sobre o arrependimento. Jesus deu todas as oportunidades para Judas Iscariotes se arrepender. Ele o chamou, o ensinou, o comissionou e lhes lavou os pés. Jesus o tratou como amigo. Deu-lhe todos os privilégios que deu aos outros discípulos”.
Que o nosso Todo-Poderoso DEUS realmente nos livre do crime da traição e de toda a sorte de pecados. Que ELE nos ajude e nos oriente para os caminhos do amor, santidade, bondade, perdão, reconciliação, fidelidade, paz e, acima de tudo, da vida eterna. Que assim seja. E assim sempre será pela fé no nome Bendito do Senhor Jesus Cristo. Amém.