Judas e o Alto Preço da Traição

A traição é um vício pernicioso e com alcance poderosíssimo para destruir vidas. Ela mina os relacionamentos e cria profundas inimizades entre as pessoas. A traição tem o poder de repelir as amizades duradouras, afastar as pessoas umas das outras, arruinar relacionamentos saudáveis, cessar o amor e, por fim, em última instância, matar. A traição é um repositório fértil de toda a sorte de pecados existenciais e existentes no mundo, que se vai desdobrando na desconsideração do outro, na humilhação, na infidelidade, na hipocrisia, na mentira, na manipulação, no egoísmo, no materialismo, na cobiça, no homicídio, na maldade e na malignidade. A traição é um cancro incurável e, concomitantemente, mortal no seu substrato. Ela é diabólica, a todos os níveis, e um dos piores malefícios que o ser humano herdou do pecado original no início da criação. 

A traição, por infelicidade nossa, não anda solta e nem vive sozinha. Ela é gregária e convive com pessoas. Não se pode falar da traição sem falar dos traidores e traídos. A traição envolve sempre pessoas e terceiros – dois ou mais. Todos nós, sem excepção, em alguma fase da nossa vida, tivemos de lidar com a traição. Pode ser na qualidade passiva de traídos ou, inversamente, na qualidade activa de traidores. Não há ninguém que esteja no seu perfeito juízo que desconheça liminarmente o significado da traição e as suas nefastas implicações humano-antropológicas, mormente na vida de quem foi vítima dela. 

Podemos definir a traição, de forma abreviada e subsumida, como sendo uma atitude deliberada de deslealdade em quem se deposita a genuína confiança, mediante uma aliança. Por outras palavras, é praticar aleivosia. Chama-se traidor àquele que viola de forma consciente e prejudicial um compromisso firmado com o seu próximo ou terceiros, gerando-lhe significativos danos psicológicos, morais, religiosos, amorosos, reputacionais, patrimoniais e materiais, etc. O traído é parte vítima da infidelidade do traidor. 

Levado nesta inqualificável maldade humano-diabólica, Judas Iscariotes traiu friamente o Senhor Jesus Cristo por apenas trinta moedas de prata (Mt 26:14-16; Mc14:10-11, Lc 22:3-6), conduzindo-o a fortiori à morte na Cruz do Calvário. Judas Iscariotes, desde o princípio, sempre foi falso, ganancioso e aldrabão. O autor sagrado chamou-lhe peremtoriamente de traidor (Lc 6:16). O Evangelista João, na mesma esteira do pensamento, caracterizava-o como um autêntico dissimulado, materialista e ladrão, “pois era ele que tinha a bolsa do dinheiro e roubava do que lá se metia” (Jo 11:6-7), dando-nos conta posteriormente que “o Diabo já tinha metido no coração de Judas, filho de Simão Iscariotes, a ideia de atraiçoar Jesus” (Jo 13:2). E o próprio Senhor Jesus, aquando da Sua arbitrária prisão em Getsémani, confrontou-lhe nos olhos com a lapidar expressão: “Judas, com um beijo trais o Filho do Homem?” (Lc 22:48). 

Durante três anos, sustenta Hernandes Dias Lopes no seu comentário expositivo sobre Evangelho segundo João, “Judas Iscariotes realizou a obra de Deus. Quando Jesus enviou os discípulos dois a dois, Judas Iscariotes estava no meio deles. Ele participou do grupo dos Doze e também do grupo dos Setenta. Judas Iscariotes pregou o evangelho para os outros, orou pelos enfermos e expulsou demônios em nome de Jesus. Mas agora estamos vendo esse homem possuído pelo diabo e caminhando para a destruição. Judas Iscariotes tapa os ouvidos à voz de Cristo e abre o coração aos sussurros do diabo. Ele abrigou em seu coração as sugestões do diabo; o diabo entrou nele e o levou para o inferno”. Judas Iscariotes teve excelentes oportunidades conferidas pelo Senhor Jesus Cristo para converter o seu empedernido coração e optou, mesmo assim, de forma livre e consciente, em escolher o caminho da traição e da perdição eterna. 

A história funesta de Judas, escreve ainda Hernandes Dias Lopes, nos mostra quão longe um homem pode ir em sua profissão religiosa sem ser convertido, quão profundamente uma pessoa pode se envolver com as coisas de Deus e ser apenas um hipócrita. Judas Iscariotes nos mostra a inutilidade dos maiores privilégios sem um coração sincero diante de Deus. Privilégios espirituais sem a graça de Deus não salvam ninguém. Ninguém é salvo por ser um líder religioso, por ocupar um lugar de destaque na denominação ou por exercer um ministério espetacular. Judas Iscariotes nos alerta sobre o perigo de ter apenas um conhecimento intelectual do evangelho, mas um coração ainda não convertido. Judas Iscariotes nos mostra que ser batizado ou ser membro de igreja não é garantia de que estamos certos diante de Deus”. Quem realmente desdenha, goza, ridiculiza e trai o Senhor Jesus Cristo, tal como fez Judas Iscariotes, não toma parte na promessa da vida eterna, antes pelo contrário, segue inevitavelmente uma rampa deslizante para o fogo do inferno. 

Sabemos que, por vicissitudes várias e supervenientes, os traidores jamais ficarão imunes aos seus censuráveis comportamentos. Há um preço bastante elevadíssimo a pagar para todos aqueles que vivem no crime da traição. Os traidores podem inicialmente julgar que serão beneficiados com a traição que perpetuam, saindo dela incólumes. Um prognóstico completamente equivocado. Com efeito, acabarão sempre por serem eles mesmos apanhados pela armadilha da traição que andaram a praticar durante a vida. Há consequências práticas e imputabilidade para os traidores. Todos os traidores, cedo ou tarde, serão coercivamente responsabilizados pela sua má conduta de traição. 

Judas Iscariotes não chegou a beneficiar em nada com a traição que andou a fazer ao longo da sua vida de hipocrisia descarada. Também não beneficiou do dinheiro da bolsa que reiteradamente roubava do Senhor Jesus Cristo. Da mesma sorte, não chegou a usufruir de trinta moedas de prata que recebeu dos líderes religiosos para entregar o inocente Filho de DEUS à morte. 

Durante a grande Ceia do Senhor com os seus discípulos, segundo os relatos do Evangelista João, “logo que Judas comeu o pedaço de pão, Satanás apoderou-se dele” (Jo 13:27). Satanás apossou completamente de Judas para concretizar o gigantesco plano diabólico de trair o Senhor Jesus Cristo e, consequentemente, matá-Lo. Entrou nele o poder destruidor das trevas e com todas as suas implicações maléficas que isto acarretava na vida dele. Judas foi inteiramente controlado pelo Diabo para ser malignamente usado por ele, razão pela qual saiu imediatamente da presença do Senhor Jesus ainda no decorrer da Ceia. E era noite, vinca manifestamente o Evangelista João este importante pormenor (Jo 13:27; 30). Noite temporal e também completa escuridão no coração de Judas. 

Hernandes Dias Lopes, a propósito disso, formula que “o traidor Judas Iscariotes foi mergulhado na escuridão (13.30). E era noite. Noite lá fora e também noite em seu coração. A noite trevosa da traição levou-o à noite eterna, de escuridão sem fim. A escuridão que estava em seu coração levou-o para as trevas eternas. Jesus é a luz do mundo, mas Judas rejeitou Jesus e saiu na escuridão; e, para Judas, ainda é noite!”. Um entendimento, igualmente, defendido por Joseph Ratzinger no seu livro Jesus de Nazaré, fundamentando que “Judas vai para fora num sentido mais profundo: entra na noite, vai-se embora da luz para a escuridão. O «poder das trevas» apoderou-se dele (cf. Jo 3; 19; Lc22, 53)”. Por outras palavras, Judas Iscariotes saiu de forma apressada durante a Ceia para trair o Filho do Homem na noite do pecado: no pecado da ambição, da avareza, da locupletação, da corrupção e do homicídio premeditado. Saiu da presença gloriosa do Senhor Jesus Cristo, a Luz do mundo, para entrar na noite das trevas e nele perder-se definitivamente, autodestruindo-se. 

Para reforçar ainda esta ideia da ingratidão e infidelidade de Judas, escreve Charles Erdman, que “o caráter de Judas oferece-nos o retrato mais deplorável da incredulidade que o evangelho registra. Suas oportunidades de conhecer a Cristo foram inexcedíveis, mas resistiu à luz, alimentou o pecado da avareza, não se comoveu diante da manifestação inigualável do amor do mestre, que fora a ponto de baixar-se e lavar-lhe os pés. Agora, à mesa, Jesus lhe dá o último sinal de amizade; trava-se ali, na alma de Judas, a última batalha, porém Satanás prevalece; e ele sai para dentro da noite de sua eterna desgraça e condenação”. 

O Diabo usou Judas Iscariotes para trair o inocente Filho de DEUS e depois de consumar este maléfico acto de traição descartou-lhe completamente, atormentando-lhe com todo o tipo de remorso, tal como faz com todos os filhos da perdição que resistem manifestamente a graça salvífica do Senhor Jesus Cristo. Já não valia Judas a ganância desenfreada pelo dinheiro fácil. Já não lhe valia mais as trinta moedas de prata da traição. Já não lhe valia a traição que julgava que fosse a sua salvação. E, por fim, já não lhe valia inclusive a sua vida, razão pela qual sufocou-se a autodestruiu-se na sua própria traição e miséria espiritual. Judas queria tudo e acabou por perder literalmente tudo. 

O Apóstolo Mateus narra-nos que “quando Judas, o traidor, viu que Jesus tinha sido condenado, encheu-se de remorsos e foi entregar as trinta moedas de prata aos chefes dos sacerdotes e aos anciãos. E confessou: «Pequei ao entregar um inocente à morte.» Eles replicaram: «Que temos nós com isso? O problema é teu!»” (Mt 27:3-4). E, de seguida, prossegue ainda o autor sagrado no seu fidedigno relato bíblico: “então Judas atirou as moedas de prata para dentro do templo, depois afastou-se dali e foi-se enforcar” (Mt 27:5). O evangelista Lucas, por sua vez, no livro de Actos dos Apóstolos, de forma mais pormenorizada, destaca o carácter violento do suicídio de Judas, sustentando que este “caiu morto, tendo rebentado os intestinos que se espalharam pelo chão” (At 1:18). 

Para conjugar estes dois relatos sobre a morte de Judas Iscariotes, narradas por Mateus e Lucas, respectivamente, Mattthew Henry no seu comentário bíblico formula que Judas foi “estrangulado ou sufocado com aflição e horror, ele caiu impetuosamente (de cabeça no chão, segundo o Dr. Hammond) e, em parte com a inchação do próprio peito e em parte com a violência da queda, ele se arrebentou pelo meio, de forma que todos os seus intestinos saíram do corpo (v. 18). Seu enforcamento, conforme nos relata Mateus 27.5, o faria inchar até que se partisse, fato reportado por Pedro. Ele explodiu produzindo grande barulho (conforme o dr. Edwards) que foi ouvido pela vizinhança e, assim, como diz o texto, foi notório a todos os que habitam em Jerusalém (v.19), pois todas as suas entranhas se derramaram (v.18)”. A Bíblia de Estudo de Aplicação Pessoal, comentando sobre isso, explica que “Judas tentou enforcar-se, a corda se rompeu ou galho quebrou, Judas caiu, e seu corpo se despedaçou”. Aparentemente durante, ou logo depois do enforcamento, segundo a versão da Bíblia de Estudo de Genebra, o corpo de Judas “caiu no chão e foi rompido ou decomposto”. Um entendimento tradicional, igualmente, acolhido e sustentado por Augustus Nicodemus Lopes no seu estudo bíblico aqui. 

O traidor Judas, como ficou demonstrado, não conseguiu voltar para trás no sentido de remediar o seu abominável pecado e, tão pouco, acreditar na lei do amor e do perdão Divino. Joseph Ratzinger, indo mais além no seu comentário teológico, considera que “Judas não conseguia acreditar num perdão. O seu arrependimento torna-se desespero. Já só se vê a si mesmo e às suas trevas, já não vê a luz de Jesus – aquela luz que pode iluminar e vencer as próprias trevas. Deste modo faz-nos ver a forma errada do arrependimento: um arrependimento que já não consegue esperar, mas só vê a própria obscuridade, é destrutivo, não é um verdadeiro arrependimento. Faz parte do justo arrependimento a certeza da esperança – uma certeza que nasce da fé no poder maior da Luz que Se fez carne em Jesus”. Judas Iscariotes traiu o Senhor Jesus Cristo, mas acabou inevitavelmente por sufocar-se na sua própria traição e suicidou-se (Mt 27:5). O avarento judas colocou deliberadamente o termo à sua própria vida e foi definitivamente para a perdição. 

A traição tem um elevado preço a pagar. O seu galardão é a morte. Todos aqueles que vivem deliberadamente a trair, especialmente traindo o Senhor Jesus Cristo, a Sua Amada Igreja e Obra em geral, o fim deles é a perdição eterna, se previamente não se arrependerem dos seus maus caminhos. Os traidores e injustos, tal como preceitua claramente a Palavra de DEUS, não herdarão a promessa da vida eterna (1Co 6:10; Ap 21:8). Não há falso Cristão ou ninguém que consiga enganar o Senhor Jesus Cristo, com a sua vida de hipocrisia ou mentira, saindo ileso, uma vez que Ele sabe de tudo e nada se furta ao Seu raio de conhecimento. 

Judas Iscariotes, sumaria Hernandes Dias Lopes, que subscrevo na íntegra, “é um alerta para nós sobre o perfeito conhecimento que Cristo tem de todo o seu povo. Jesus pode distinguir entre uma falsa profissão de fé e a verdadeira graça. A igreja pode ser enganada, mas Jesus não. Homens maus como Judas Iscariotes podem ocupar os postos mais altos na liderança da igreja, mas nunca enganarão Jesus. Jesus conhece aqueles a quem ele escolheu (13.18,19; 2Tm 2.19). Esse conhecimento de Jesus alerta os hipócritas sobre o arrependimento. Jesus deu todas as oportunidades para Judas Iscariotes se arrepender. Ele o chamou, o ensinou, o comissionou e lhes lavou os pés. Jesus o tratou como amigo. Deu-lhe todos os privilégios que deu aos outros discípulos”. No entanto, sabemos que, mesmo assim, Judas rejeitou todas essas nobres e graciosas oportunidades da salvação oferecidas pelo Senhor Jesus Cristo. 

Que o nosso Todo-Poderoso DEUS realmente nos livre do crime da traição e de toda a sorte de pecados. Que ELE nos ajude e nos oriente para os caminhos do amor, santidade, bondade, perdão, reconciliação, fidelidade, paz e, acima de tudo, da vida eterna. Que assim seja. E assim sempre será pela fé no nome Bendito do Senhor Jesus Cristo. Amém.