A Incongruência Ideológico-política dos Cristãos


A perfilhação ideológico-política de um crente no Senhor Jesus Cristo não é um tema propriamente consensual no seio do Cristianismo. Tanto que, por esta razão, ele tem sido exaustivamente objecto de infindáveis querelas entre os fiéis Cristãos ao longo dos últimos séculos, com vista a procurar situar a ideologia política que se ajusta melhor às ordenanças bíblicas. As próprias Escrituras Sagradas não tomam uma posição linear sobre que orientação política o Cristão deve seguir na sua esfera cívica. Podem servir-se delas para defender uma concepção de direita e, concomitantemente, de esquerda. Igualmente podem usá-las para sustentar o conservadorismo, o reacionarismo, o progressismo, o liberalismo e o radicalismo, bem como a democracia cristã, o socialismo, a social-democracia e o comunismo. A Palavra de DEUS não se esgota unicamente numa ideologia política. Ela transcende, em larga medida, as redutoras mundividências do Homem e as suas polutas aspirações humano-sociais. Por isso, há espaço para albergar parcialmente cada uma das ideologias políticas naquilo que se destacam em termos positivos (LER)Talvez seja por esta razão que tem havido mal-entendidos, e até mesmo um certo tipo de aproveitamento, por parte de muita gente, sobre esta sensível questão. 

No “presente século mau” em que vivemos não há praticamente diferença assinável entre ser de esquerda ou de direita, tal como existia noutros tempos. Os temas ditos “fracturantes” tornam-se cada vez mais residuais. A tendência natural que os partidos políticos têm vindo a adoptar é tão-simplesmente de agradar ao eleitorado nas suas aliciantes propostas populistas e, deste modo, chegar ao poder o mais rápido possível. Apenas vamos notando algumas diferenças pontuais entre polos opostos. As opções socio-económicas dos partidos têm ganho cada vez mais relevo no eleitorado em detrimento das preferências ético-morais, que são relegadas para segundo plano. Nenhum partido político procura honrar o Eterno DEUS nas suas agendas políticas, antes pelo contrário afastam-No liminarmente do seu programa, preocupando-se unicamente em satisfazer o eleitorado, mesmo aqueles que se auto-intitulam inutilmente de “partidos Cristãos”. 

Nada disto deve ser uma surpresa para um devoto Cristão. Sabemos que tudo isso tem inevitavelmente de acontecer um dia. São manifestações visíveis dos “Sinais dos Tempos” (LER)que precederão a Segunda Vinda do Senhor Jesus Cristo ao Mundo (Mt 24:1-51 e 25:1-46). A tendência é de as coisas piorarem à medida que o tempo vai passando. O Cristão jamais conseguirá mudar unilateralmente o curso funesto que a Humanidade toma paulatinamente, através da sua política profana, e, muito menos, julgar que consegue operar alguma alteração em sentido inverso. Deve, tal como bem ensina a Palavra de DEUS, orar pelas autoridades estabelecidas e os seus súbditos (1Tm 2:1-2; Rm 13:17; Tt 3:1). A verdadeira mudança política, se tiver mesmo de acontecer, terá de vir das elites governativas transformadas pelo poder do Espírito Santo. É por meio dos políticos autenticamente regenerados, e dos seus respectivos partidos, que pode surgir uma verdadeira mudança político-social. E julgamos objectivamente que, sem qualquer tipo de preconceito ou desprimor, os partidos mais equilibrados são os do centro – tanto de Esquerda como de Direita – sem prejuízo, obviamente, de reconhecer algum mérito nos outros. No entanto, todos estes partidos políticos estão inteiramente comprometidos com uma larga agenda satânica nos seus programas eleitorais e lobbies contrários aos sublimes Princípios e Valores das Escrituras Sagradas. 

Por isso, entendemos que não há solução viável que não seja a solução de não defender nenhum partido, ficando-se apenas neutro perante as opções ideológico-políticas que são apresentadas. O Cristão deve apenas trabalhar arduamente pelo bem das cidades em que esteja circunscrito, orando continuamente por elas (Jr 29:7). E o Apóstolo Paulo, inspirado pelo Espírito Santo, na mesma esteira do pensamento, vai ao ponto de advertir os seus leitores a “submeter às autoridades públicas, pois não há autoridade que não venha de Deus”, pagando-lhes os devidos impostos e simultaneamente honrando-lhes naquilo que for necessário (Rm 13:1;7). É imperioso cumprir essas obrigações cívico-políticas, sem perder de vista o nosso foco principal neste pecaminoso mundo, que é promover firmemente o Reino de DEUS e glorificar o Seu Santo Nome. “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, encerra inequivocamente esta grande verdade soteriológica expressa pelo Senhor Jesus (Mt 22:21; Mc 12:17; Lc 20:25). 

Partindo de tudo o que ficou exposto, e em abono da verdade, o Cristão jamais poderá votar num partido ou candidato que defende o aborto aborto (LER), a homossexualidade (LER)a eutanásia, a barriga de aluguer, a adulteração da família, a relativização da Moral e os Bons Costumes, etc. Tal conduta entra flagrantemente em contradição com a Bíblia Sagrada. É claro que o Cristão, igualmente, não pode ser conivente com os partidos que promovem e acentuam as assimetrias sociais, a corrupção, a marginalização, as desigualdades, o sexismo, a xenofobia, o ostracismo, a delapidação do meio ambiente, o liberalismo económico que beneficia os poderosos em detrimento dos pobres, etc. A orientação de voto de um Cristão deve ser pautada, acima de tudo, pela coerência com os sagrados Princípios e Valores do Evangelho. Não podemos professar uma coisa e posteriormente legitimar, por sufrágio secreto, algo em sentido contrário. Seria um autêntico paradoxo, não é? 

E perante este grande dilema com que, infelizmente, estamos confrontados coloca-se uma pertinente questão para o Cristão: dos dois males destacados qual seria o menor? Obviamente o segundo. Jamais podemos comparar a hedionda legalização do aborto, a homossexualidade[1] com com qualquer outro tipo de injustiça ou despotismo governativo. Contudo, tal não deve servir de desculpa para validar políticas iníquas e/ou imorais a pretexto de serem “males menores”, até porque não existe hierarquização de pecados perante DEUS, não obstante terem implicações e penalidades diferentes. 

Somos inteiramente da opinião que o Cristão deve sempre abster-se ou votar em branco quando se confronta com os dois males supra-mencionados que, aliás, como é cognoscível, é uma realidade praticamente transversal a todos os países do mundo. É verdade que a abstenção e o voto em branco não têm consequências políticas imediatas, tal como votar num determinado partido ou num candidato em particular. O Cristão não deve ficar sumamente preocupado por não estar a “alterar nada” em termos políticos. O factor determinante é sermos fiéis, máxime coerentes com a profissão de fé que abraçamos no Senhor Jesus Cristo. Mais vale não “alterar nada” do ponto de vista humano-social e agradar a DEUS com o nosso nobre testemunho de vida do que contribuir para validar asquerosas injustiças e ser manifestamente desobediente para com os mandamentos bíblicos. 

E mais, a abstenção e o voto em branco consubstanciam uma falta de alternativa nos programas eleitorais apresentados pelos candidatos e partidos. O Cristão que se abstém ou vota em branco exerceu, pelo menos, condignamente, o seu dever de cidadania. Não é menos preocupado ou desleixado com a situação política do seu país do que aquele que vota numa determinada plataforma, partido ou candidato. Tão somente não se identifica ou comunga com nenhum projecto eleitoral que se propõe a sufrágio. 

Temos constatado uma efusiva manifestação de muitos Cristãos, que fazem a apologia de determinadas ideologias políticas, sobretudo apelando afincadamente ao voto em certos partidos e candidatos, não obstante estes já se terem provado publicamente aversivos aos ideais do Evangelho e serem em determinados casos anticristo. Tais Cristãos estão a ser claramente incongruentes com o seu testemunho de fé, esquecendo-se que a conversão que fizeram significa dar primazia à Palavra de DEUS em todos os domínios da vida – quer seja a nível familiar, relacional, profissional, social e político. Temos imensa pena dessas pessoas. Muita pena mesmo. Resta-nos, somente, usando a virtude do amor Cristão, pedir ao SENHOR que não lhes impute esta evitável falha espiritual, porque não sabem realmente o que fazem.


[1] este último considerado um pecado “abominável” e passível de morte à luz das Escrituras Sagradas [veja o Livítico 18:22 e 20:13; Romanos 1:32].