O Valor Sagrado da Vida Humana


A vida humana é sagrada em todas as suas dimensões. É o bem mais precioso de que dispomos. Não há nada que se lhe possa igualar neste mundo ou substituir. Ela é imanente e concomitantemente transcendente. Esta inequívoca verdade recebeu primeiramente um amplo acolhimento no pensamento Judaico-cristão, acabando posteriormente por influenciar decisivamente a Magna Carta inglesa do século XIII, a Revolução Francesa e todas as outras civilizações mundiais. Um valor sagrado que é intrinsecamente indissociável da dignidade, da liberdade, da segurança e da auto-determinação. A todos os seres humanos, sem excepção, são garantidos os Direitos Fundamentais e a protecção de viverem livremente, sem qualquer tipo de coação. Aliás, este também é o entendimento abraçado na disposição da Declaração Universal dos Direitos Humanos e na generalidade das constituições contemporâneas. Este valor sagrado da vida é incompatível com o atentado contra ela e discriminações negativas, independentemente das condições biológico-naturais de cada cidadão no seu círculo de convivência ou estatuto social. 

A partir da concepção, período em que começa a vida, e até à morte, todos devem beneficiar do direito de viverem seguros e serem protegidos pela sociedade e pelo Estado em particular. A começar pelos nascituros, as crianças, os idosos, as mulheres, os homens, os doutos e indoutos, pessoas sãs e portadoras de deficiências, capacitadas e incapacitadas. Não podemos selectivamente, em circunstância alguma, beneficiar uns em detrimento dos outros. Todas estas pessoas têm direito à vida, à dignidade, à segurança, à protecção e ao usufruto pleno de Direitos, Liberdades e Garantias. Estes postulados axiológicos entram manifestamente em contradição com a legalização do aborto e da eutanásia. 

Por isso, a legalização da eutanásia é uma das piores aberrações comportamentais contemporâneas. Uma inqualificável abominação em todas as suas dimensões antropológicas. É um acto monstruoso e inqualificável. A eutanásia é a provocação deliberada da morte antes do seu tempo natural. É matar literalmente, sob o pretexto de “boa morte” ou “morte suave”. Configura um insulto à razão conotar a eutanásia como um acto de compaixão e de respeito pela liberdade dos outros. A prática da eutanásia não tem nada a ver com as virtudes do humanismo, da compaixão pelos doentes terminais, do respeito ao próximo e da autonomia privada. Antes, pelo contrário, ela é completamente o oposto de tais virtudes humanas. Logo, não obstante tantos eufemismos que são usados para legitimá-la perante a sociedade, ela é claramente incompatível com o personalismo ético e quaisquer valores axiológicos da dignidade da pessoa humana. 

O direito à vida no ordenamento jurídico português colide flagrantemente com a liberdade e autonomia privada. Constata-se, desde logo, a consagração expressa na Constituição da República do princípio basilar de que a vida humana é inviolável, tal como a sua integridade física e moral (art.º 24.º, n. º1 e 25.º n. º1 da CRP). O direito à vida é o mais importante dos Direitos Fundamentais constitucionalmente consagrados. Daí que o legislador constituinte tenha deixado bem claro que ele não comporta qualquer excepção. O direito à vida, como sustenta um ilustre Jurisconsulto da nossa praça, “não é um direito de pessoa sobre ela mesma: se assim fosse, se cada individuo detivesse um direito sobre si próprio, consequentemente legitimaria o suicídio. Se o direito à vida não é um direito subjectivo então também se deve entender que não há um “direito à morte”, mas apenas o direito de recusar o prolongamento artificial da vida. Assim, juridicamente, face à Constituição da República Portuguesa, não existe um direito à eutanásia activa, através do qual alguém possa exigir de outrem que lhe provoque a morte para acabar com o seu sofrimento”. O respeito da vida dos outros, mesmo no caso de padecerem de doença incurável, não legitima o “homicida por piedade”. Apesar de a relação do Direito ser o domínio da vontade livre, no que diz respeito à vida, não há nem pode haver um domínio da vontade livre. O direito à vida – ao contrário, por exemplo, do direito de propriedade – exige que o próprio titular do direito o respeite, porque mesmo ele não dispõe de uma vontade juridicamente soberana. 

Não obstante estas manifestas verdades patentes na letra e no espírito do artigo 24.º, n. º1 e 25.º n. º1 da CRP, respectivamente, o Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 123/2021 que declarou inconstitucional a primeira lei da eutanásia, não se opõe objectivamente ao direito à eutanásia em si mesmo. Apenas considerou “que o direito a viver não pode transfigurar-se num dever de viver em quaisquer circunstâncias”. Sustentaram ainda os juízes do Palácio Ratton que “a conceção de pessoa própria de uma sociedade democrática, laica e plural dos pontos de vista ético, moral e filosófico, que é aquela que a Constituição da República Portuguesa acolhe, legitima que a tensão entre o dever de proteção da vida e o respeito da autonomia pessoal em situações-limite de sofrimento possa ser resolvida por via de opções político-legislativas feitas pelos representantes do povo democraticamente eleitos como a da antecipação da morte medicamente assistida a pedido da própria pessoa”. Assim sendo, concluíram que “a antecipação da morte medicamente assistida a pedido da vítima é admissível”, contando que as condições para a sua concretização sejam “claras, precisas, antecipáveis e controláveis”

Este entendimento do Tribunal Constitucional, a nosso ver, é influenciado sobretudo por um fortíssimo lobby radicalmente liberal que, cada vez mais, tenta a todo o custo impor-nos um modelo subversivo de sociedade. A “ditadura do relativismo”, em que estamos infelizmente mergulhados, sob a falsa capa da modernidade, não valoriza a vida humana na sua verdadeira acepção, apesar de passar inutilmente a ideia de se preocupar com ela. É um relativismo que nada reconhece como absoluto e que deixa como última medida apenas o próprio eu, as suas vontades e libertinagens, pondo mesmo em causa o valor sagrado da vida humana, tal como no caso concreto da legalização da eutanásia – que é uma autêntica legitimação da cultura da morte. 

Todos os indivíduos, ainda que muito doentes ou em estado terminal, não deixam de ser humanos nem a sua vida deixa de merecer o máximo de respeito e protecção. O bem jurídico da vida caracteriza-se, acima de tudo, pela sua peculiar inviolabilidade, razão pela qual a legalização da eutanásia é manifestamente contrária aos postulados axiológicos do humanismo e do direito à vida.