Não Nascemos Para Sofrer

Não nascemos para sofrer. Sim, não nascemos para sofrer. Nós, os seres humanos, não viemos a este mundo para sofrer. Não estamos minimamente preparados, em nenhuma fase da nossa vida, para sofrer, insisto. Não esperamos o sofrimento. Não fazemos votos para o sofrimento. Da mesma sorte não folgamos ou ansiamos o sofrimento, antes pelo contrário detestamo-lo a todos os níveis. O sofrimento remete-nos, em última instância, para a fragilidade do ser humano e o prenúncio da sua degeneração e perecibilidade. O sofrimento está intrinsecamente ligado à debilidade, à incapacidade, à doença, à dor e à morte. O sofrimento, sem dúvida, descaracteriza e mata.  Por isso, ele é “contranatura” porque afecta e coloca em causa a nossa constituição física, estrutura psicossomática e a própria existência, criando em nós atrofiamentos e lesões de personalidade insuperáveis e, em casos extremos, funestos. 

Todo o sofrimento carrega um pesar. É um pressuposto assente em todo e qualquer tipo de sofrimento humano. Podemos infelizmente sofrer por nós próprios, pelos nossos familiares, amigos e terceiros. O sofrimento indiscriminadamente atinge tudo e todos. Nenhum ser humano é imune ao sofrimento ou lida bem com ele. Afecta os pobres e os ricos. Também apanha pessoas doutas e indoutas. Abarca homens e mulheres. Podemos, a título exemplificativo, sofrer pelo amor, pela injustiça, pela agressão, pela discriminação, pela rejeição, pela doença e pela perda de um ente querido. Praticamente todo o mundo vive sofrendo (naturalmente com graduações diferentes, dependendo da situação e contexto de cada um). O objectivo do sofrimento é arruinar-nos, aliás, ele ilustra bem a condição de depravação do ser humano e da sua destruição (as almas que vão para o inferno estarão eternamente no sofrimento. Vide, por todos os exemplos, os impressionantes relatos do livro de Apocalipse e a “Divina Comédia” de Dante Alighieri). 

Tanto que, por esta razão, numa perspectiva geral, o sofrimento não é tomado commumente como sendo algo de bom[1]. O ilustre escritor Fernando Pessoa, no seu livro do Desassossego, apelidava-o como sendo “a dura opressão do coração”. O reputado autor alemão Johann Wolfgang von Goethe, na sua emblemática obra Fausto, considera o sofrimento como a “ausência completa da alegria” (LER). O Salmista Hemã de Canaã chamava-o de “companhia das trevas” (Salmo 88:1-18 (VER)). O “sufoco permanente da alma”, definia-o desta forma o autor bíblico do livro de Job. 

Todos estes autores conotam o sofrimento com a solidão, a angústia, a dor, o quebrantamento, o fracasso, a fatalidade e o choro persistente. No bilhete amarrotado de Odonato, citado pelo renomado Poeta angolano Ondjaki, em Os Transparentes, desabafa em tom fatídico e de prolongamento que «acabou o tempo de lembrar/choro no dia seguinte/as coisas que devia chorar hoje» (LER)“Nobody knows the trouble I've seen”/“Ninguém sabe por quanto sofrimento passei, ninguém sabe senão Jesus”, denunciavam os escravos afro-americanos neste famoso hino Cristão. Na mesma esteira do pensamento, os famosos sertanejos brasileiros Tonico & Tinoco, na melancólica música Saudade de Matão, consideravam que “ninguém conhece a razão porque eu choro no mundo assim” (VER). Vejo, desabafa uma mulher deprimida citada no Segundo Sexo da feminista Simone de Beauvoir, “que há doze anos estou lassa, que este peito encerra uma dor inesgotável, que estas mãos foram marcadas pela tristeza e que, quando estou só, estes olhos raramente secam” (LER). O sofrimento, de forma esboçada, é um acidente no percurso do Homem e concomitantemente uma desgraça que vai carregando no seu dia-a-dia, culminando com a sua degeneração e morte. 

Se é verdade que todos nós, sem excepção, sofremos neste “vale de lágrimas” por razões múltiplas, também é verdade que somente aqueles que não se resignam conseguem usar o sofrimento para o seu aperfeiçoamento Ético, Moral e Espiritual. Por outras palavras, não se deixar vencer pelo sofrimento, mas superá-lo de forma determinada. O Servo Sofredor, o Senhor Jesus Cristo, o Homem experimentado nos sofrimentos (Isaías 53:1-12), foi o maior e melhor exemplo de todos da forma como podemos sair vitoriosos  em meio do sofrimento. ELE, conhecedor profundo das implicações humano-sociais do sofrimento na vida de uma pessoa, exorta peremptoriamente no Sermão do Monte que “bem-aventurados os que choram, porque eles serão consolados” (Mateus 5:4. (VER)Os que semeiam em lágrimas neste mundo, asseverava o salmista, “segarão com alegria” (Salmos 126:5). São os mesmos homens e mulheres de boa vontade que “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas” (Apocalipse 21:4). Que assim seja. E assim sempre será no nome Bendito do Senhor Jesus Cristo.


[1] Embora haja correntes de pensamento que defendem, em determinados casos, o sofrimento como antídoto para o amadurecimento e aperfeiçoamento humano, nomeadamente o Cristianismo e o Estoicismo. Mesmo assim, estas duas correntes, não o tomam de per si como um fim para o melhoramento, mas como um instrumento pontual que pode nos ajudar a ter noção real das coisas e, desta forma, ampliar os nossos horizontes na maneira de encarar os enormes desafios da vida (LER)